Enquanto instituição financeira, a Caixa Econômica Federal tem caráter privado, podendo fazer concessões para celebrar acordo com seus devedores. Entretanto, em causas de valor elevado, a escolha dos termos do acordo deve passar pela alta administração, ainda mais se a conciliação se mostra benéfica demais ao procurador da própria Caixa e da parte executada, em detrimento dos interesses da autarquia.
Por essa razão, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve decisão que negou a homologação de acordo para pôr fim à execução movida pela Caixa contra uma agência de propaganda de Florianópolis, já na fase conciliatória. Tal como o juízo de origem, o colegiado entendeu que, no resguardo do interesse público, a minuta de acordo deveria passar, primeiro, pelo crivo da alta direção da instituição, antes de ser homologada em juízo.
"Não houve negativa definitiva do referido acordo, mas tão somente uma prévia negativa diante das circunstâncias específicas do caso, facultando, inclusive, a apresentação de nova proposta acompanhada da mencionada autorização’’, destacou no acórdão o desembargador-relator, Cândido Leal Junior. Ele também recomendou a remessa dos autos ao Ministério Público Federal, para verificação acerca da legalidade do acordo.
O caso
O caso chegou até o TRF-4 porque a 2ª Vara Federal de Florianópolis se recusou a homologar o acordo entre a Caixa Econômica Federal e a agência de publicidade, no âmbito de execução de sentença, por discordar dos seus termos e condições. É que a dívida apurada em fevereiro de 2014, no valor de R$ 480.007,15, com os termos do acordo, caiu para R$ 143.061,67 (sem contar juros e outros encargos), além de mais R$ 50 mil de honorários advocatícios — uma redução de praticamente 60%.
A redução chamou a atenção do juiz-substituto Hildo Nicolau Peron, já que a dívida objeto da execução possui garantias idôneas para assegurar a sua quitação. "Frise-se que os imóveis penhorados foram avaliados, em 12/10/2010, em R$ 284.000,00 (apartamento) e em R$ 32.000,00 (duas vagas de garagem de R$ 16.000,00 cada uma), totalizando R$ 316.000,00. Some-se a isso o valor de R$ 174.530,00 referente ao valor de mercado do veículo Mercedes Benz CLS 350 (mesmo considerando o saldo devedor do contrato de alienação fiduciária) e os bens penhorados alcançam quantia superior à devida’’, constatou.
Originalmente, escreveu o juiz no despacho, o valor devido à CEF era de R$ 321.331,86 (principal), sem contar juros e outros encargos. Somando com as multas, este valor chegou ao total de R$ 412.620,36. A Caixa aceitou receber, a título de principal, R$ 143.061,67, pagos da seguinte forma: R$ 42.345,98 mediante levantamento das quantias bloqueadas via BacenJud; e R$ 100.800,00 pagos em 36 parcelas de R$ 2,8 mil.
Neste cenário, os honorários advocatícios totalizariam R$ 67.386,79 (distribuídos em R$ 32.133,18 sobre o valor principal; R$ 32.133,18, na execução e R$ 3.120,43 nos embargos à execução). No entanto, os advogados da Caixa aceitaram receber, a título de honorários, R$ 50 mil, mediante a entrega do veículo Ford/Fusion que está penhorado nos autos.
"O advogado da Caixa transacionou para que a sua cliente receba cerca de 35% do que lhe é devido a ser pago em 3 anos e, por seu turno, receberá 75% da verba honorária à vista. Ou seja, nas bases expostas do acordo, o advogado abre mão de pequena parcela do seu direito exequendo (25%) ao passo que o seu cliente (a CEF) abre mão de 65% do seu direito exequendo. Isso se fosse considerar que o valor indicado para o Ford Fusion estivesse correto", constatou o julgador. Segundo a tabela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), o veículo do ano/modelo 2010-2011 vale entre R$ 56.634 e R$ 70.394.
Interesse público
Feitas as contas, o juiz-substituto não viu interesse público na pronta pacificação do conflito. Isso porque, em seu entendimento, a renúncia em relação à coisa pública foi muito superior em relação ao interesse privado. Antes, entendeu que o acordo contempla, essencialmente, os interesses do advogado da Caixa. O que, a depender da falta de justificativa, poderia caracterizar infração disciplinar, como prevê o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), em seu artigo 34, inciso IX — ‘‘prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio’’.
Em despacho de 14 de abril de 2014, Peron deu prazo de 15 dias à Caixa para apresentar nova proposta, "em bases aceitáveis", e comprovar a autorização de seu dirigente máximo. A decisão motivou um Agravo de Instrumento apresentado pelo advogado da parte devedora, julgado improcedente na sessão de julgamento ocorrida dia 11 de dezembro.