Que os tribunais brasileiros têm condenado as empresas a indenizar, por dano moral, milhares de consumidores pelo tempo que gastam para buscar a solução de problemas em produtos ou serviços que adquiriram, a jurisprudência já mostra. Mas uma decisão proferida em São Paulo despertou a atenção dos especialistas por admitir a reparação pelo tempo perdido de forma independente. Seria a indenização por dano temporal.
A sentença foi proferida pelo juiz Fernando Antonio de Lima, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Foro de Jales, em agosto do ano passado, em uma ação de indenização por danos morais movida por um consumidor indignado por ter sido obrigado a esperar três horas e dois minutos pelo atendimento na agência bancária dele.
A decisão é concisa: “Isso traduz a hipótese de reparação autônoma, se a parte-autora assim o desejasse, ou danos morais, nos termos pleiteados na inicial, em razão da perda de tempo produtivo ou útil, direito esse de cunho fundamental, extraído do regime e princípios adotados pela Constituição Federal”.
Para Maurílio Maia (foto), professor e defensor público do estado do Amazonas, que se dedica ao estudo da reparação por dano temporal, se a tese realmente vingar, o Direito brasileiro poderá contar com mais uma categoria de indenização que poderá ser concedida de forma cumulativa com o dano moral e/ou material.
Seria algo parecido com a reparação por dano estético, já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 387. A orientação admite a indenização de valores distintos, um fixado a título de dano moral e outro a título de dano estético, para um mesmo fato nos casos em que forem passíveis de apuração separada.
“Há 20 anos, quando se falava em dano estético, comparava-o ao dano moral. Então, o STJ entendeu que essa é uma categoria à parte e que pode ser cumulada [com o dano moral]. Se essa sentença [de São Paulo] tomar corpo, talvez tenhamos uma nova espécie de dano categorizado: o dano temporal”, explica o professor.
No âmbito do Poder Legislativo, uma iniciativa de lei bem que tentou instituir no ordenamento jurídico brasileiro a indenização pela perda de tempo. Apresentado pelo deputado Carlos Souza (PSD/AM), o Projeto de Lei 7.356/2014 visava à inclusão de um artigo, no Código de Defesa do Consumidor, que obrigasse os tribunais, na hora de fixarem o valor da indenização por dano moral, a considerarem o tempo despendido pelo cidadão para defender seu direito e buscar a solução da controvérsia. Contudo, a proposta não teve grande repercussão e acabou arquivada no último dia 31 de janeiro.
Por isso, a perspectiva é que recaia sobre o Poder Judiciário a decisão de reconhecer ou não a autonomia da indenização por dano temporal. Pressão não falta, ainda mais diante da tendência cada vez maior dos juízes em condenar, mesmo que pela via do dano moral, o descaso das empresas com relação ao tempo despendido pelos consumidores na tentativa de sanar defeitos de bens e serviços que venderam. Com a decisão do Foro de Jales, esse movimento pode ganhar fôlego.
Maurílio Maia, por exemplo, ao propor uma ação, em dezembro do ano passado, em favor de um cidadão que buscou a Defensoria do Amazonas porque teve o nome negativado por um banco do qual nunca fora cliente, não pestanejou: pediu, na inicial, a condenação da instituição financeira por dano moral e temporal. É que o homem perdeu, ao todo, 24 horas para tentar resolver o problema. “O tempo não volta. Não há dinheiro que pague isso”, afirmou o defensor.
Tema controvertido
A independência do dano temporal, contudo, é um tema controvertido. O desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade (foto), do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi uma das primeiras pessoas a escrever sobre o assunto no país. Autor do livro “Dano Moral e Indenização Punitiva” (na 2ª edição, pela editora Lumen Juris), ele é a favor da responsabilização das empresas que abusam do tempo de seus consumidores. No entanto, o desembargador é contra a categorização da indenização por dano temporal.
Na avaliação de Andrade, a categoria dano moral e material pode — como a jurisprudência já vem demonstrando — abarcar a punição, inclusive pelo tempo perdido pelo consumidor. “Em uma situação característica de abuso do consumidor, que saiu do trabalho para resolver o problema e teve o dia descontado do seu salário, caberia o dano material. E se a conduta da empresa se verificar abusiva, cabe o dano moral. Então não vejo muito fundamento teórico (para a categorização)”, explica.
Critérios
Na tentativa de estabelecer critérios para dimensionar o dano temporal, a sentença do Foro de Jales propõe um método. “A lesão objetiva ao tempo útil ou produtivo é que permite a reparação”, diz a decisão.
E emenda: “Assim, uma vítima idosa, ou uma pessoa com necessidades especiais (consumidores não apenas vulneráveis, mas hipervulneráveis), que aguardem por muito tempo em uma fila de banco, terão direito a uma indenização maior do que teria um homem de 24 anos. Aqui, analisa-se objetivamente a situação peculiar da vítima (...). Não se entra na questão do mero aborrecimento, da dor da vítima”. A questão promete gerar polêmica.
Fonte: ConJur