Ao trabalhar no Brasil, o estrangeiro passa a ter os mesmos direitos trabalhistas dos brasileiros, como 13º salário, FGTS e férias de 30 dias, segundo já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho. É o chamado princípio da territorialidade — segundo o qual, se aplicam as regras do local onde o serviço é prestado. No entanto, a Justiça da Inglaterra julgou, em novembro, que não havia problema em um venezuelano que trabalhava para uma petroleira inglesa no Brasil ser obrigado a devolver para a empresa todos os benefícios trabalhistas que recebia. O motivo: o contrato de trabalho impunha a devolução de todo e qualquer benefício social local que recebesse.
Em vez de simplesmente não pagar, a gigante do petróleo — que presta serviços à Petrobras — pagava o dinheiro relativo aos direitos trabalhistas, mas obrigava o empregado a devolvê-lo, por transferências entre contas no Brasil e no exterior, cheques emitidos em favor da petrolífera ou, ainda, mediante recebimento em espécie.
Em um dos e-mails anexados no processo britânico, ao qual a revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso, um diretor da empresa diz que se o expatriado venezuelano não devolvesse o dinheiro, a empresa iria parar de pagar parte do salário dele e tomaria para si o fundo de pensão do funcionário. Dito e feito. Uma parte do salário do empregado, que trabalhou no Brasil de 2008 a 2012 deixou de ser paga e o fundo de pensão para o qual ele contribuía há 12 anos foi sequestrado (Cerca de 100 mil euros, ou R$ 320 mil).
Depois de meses trocando mensagens com seus chefes, alegando que a retenção do valor era ilegal, uma vez que o trabalho em solo brasileiro deveria ser regido pelas leis locais, o venezuelano entrou na Justiça inglesa cobrando o dinheiro que deixou de receber, que totalizava cerca de 160 mil euros (cerca de R$ 510 mil).
No entanto, a corte corroborou o entendimento da empresa. Para a Justiça inglesa, o que, no Brasil, é uma fraude trabalhista, significou apenas o cumprimento do contrato. O documento, firmado na Inglaterra quando o homem foi contratado pela petroleira, previa que a companhia tinha o direito de descontar da remuneração “impostos e/ou contribuições de seguridade social”, “contribuição de seguros do empregado” e “outros pagamentos obrigados ou permitidos por lei”.
A quantidade de dinheiro que entra na empresa por essa via é incalculável, uma vez que a petroleira tem mais de 11 mil funcionários expatriados, operando em mais de 100 países. Em um dos documentos ao qual a ConJur teve acesso, consta, inclusive, uma lista de expatriados trabalhando na petroleira e a quantia que eles são obrigados a devolver por causa do FGTS. As quantias vão de 53 mil dólares a 135 mil dólares por funcionário. De 2008 a 2012, por exemplo, três trabalhadores foram responsáveis por devolver cerca de 250 mil dólares aos cofres da companhia.
Questão contratual
Advogados trabalhistas e mesmo um ministro do TST, ao comentar, hipoteticamente, o caso, afirmam que a atitude é claramente ilegal. O princípio da territorialidade só pode ser deixado em segundo plano para seguir regras mais benéficas ao trabalhador — o que não é o caso de devolver dinheiro à empresa.
A decisão da corte britânica reconhece que uma das grandes questões do processo é saber se os termos do contrato vão contra a lei brasileira e se eles deveriam ser executados ou anulados por questões de ilegalidade. Para o juiz inglês, o cumprimento da Constituição Federal e legislação trabalhista brasileira é irrelevante para a discussão sobre o contrato na Justiça britânica.
O magistrado, no entanto, afirma que os especialistas consultados durante o processo foram unânimes em apontar que, pela lei brasileira, qualquer contrato prevendo que o empregado devolva benefícios trabalhistas seria nulo e sem efeito. No entanto, ele afirma que não está convencido de que esquema da empresa para reaver o FGTS e outros direitos trabalhistas é uma conduta criminosa.
Em suas conclusões, o juiz aponta que o trabalhador é, sim, responsável por prestar contas à petroleira sobre os chamados “benefícios locais”, como FGTS, INSS e outros direitos trabalhistas e que a companhia tem o direito de ser “reembolsada” por tais quantias.
Com isso, a Justiça britânica afirma que a empresa é livre para cobrar que todos os seus expatriados no Brasil a devolução de obrigações trabalhistas, previstas na Constituição Brasileira e na Consolidação das Leis do Trabalho.