A legislação brasileira prevê a possibilidade de o relator, em decisão monocrática, negar seguimento a um recurso. Entretanto, os dispositivos que autorizam essas decisões devem ser aplicados de forma restritiva, para não prejudicar a ampla defesa. O entendimento é do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Rogério Schietti Cruz (foto), que reconsiderou uma decisão monocrática feita por um colega de corte e determinou que um caso seja julgado pelo colegiado da 6ª Turma do STJ.
Em sua decisão, o ministro Schietti criticou o aumento do número de decisões monocráticas. Segundo ele, em busca de uma celeridade para combater o aumento de litígios no Brasil, as decisões colegiadas estão sendo deixadas de lado para adoção do julgamento monocrático. “A lei processual brasileira, após sucessivas inovações, alargou o leque de possibilidades de o relator de um recurso, de forma unipessoal, pôr termo à irresignação”, afirmou o ministro, citando como exemplo o artigo 557 do Código de Processo Civil.
Porém, de acordo com o ministro, por serem hipóteses que excluem o julgamento colegiado esses dispositivos devem ser interpretados de forma restritiva, levando-se em consideração os demais princípios envolvidos, como o da ampla defesa. “Assim, só é possível ao relator de um recurso decidir de maneira monocrática, quando o tema a ele submetido inserir-se no rol contido no artigo 557 do Código de Processo Civil (manifesta inadmissibilidade do pedido, na improcedência, prejudicialidade ou confronto com súmula ou jurisprudência dominante), sob pena de incorrer em violação ao referido princípio”, afirmou.
Schietti Cruz disse ainda que o fato de existir a possibilidade de recurso contra a decisão monocrática, a ser analisado pelo colegiado, não afasta a violação à ampla defesa. “Nem se diga que a simples possibilidade de a decisão ser apreciada pelo colegiado por meio de agravo interno, por si só, supriria tal violação, porquanto esse recurso restringiria, como de fato restringe, a possibilidade de defesa ampla (inviabilidade de sustentação oral, julgamento independente de pauta etc), inerente ao recurso ou à ação originária e, portanto, acabaria por vulnerar, injustificadamente, este princípio de matiz constitucional”, complementa.
Segundo o ministro, a existência do artigo 557 do CPC apenas reforça a importância das decisões colegiadas, pois as hipóteses previstas exigem que o tema tenha sido amplamente pelo colegiado, quando firmada uma orientação sólida para aplicação nos casos semelhantes que chegarem ao tribunal depois.
"Sem embargo, quanto às exceções contidas no artigo 557 do CPC, vislumbrou-se, por meio da ponderação dos interesses, que a ampla defesa não seria maculada na medida em que a permissividade legal de exclusão do julgamento colegiado adviria, a um só tempo, do exaustivo debate reiterado e da solidez do entendimento acerca do tema, culminando, por isso, no prestígio à celeridade e à economia processuais (duração razoável do processo)", explicou.
Decisão reconsiderada
No caso analisado, o advogado Alberto Zacharias Toron ingressou com Recurso Especial contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo — que acatou parcialmente um recurso apresentado por ele. O advogado buscava a anulação da sentença do Tribunal do Júri de São José dos Campos que condenou o empresário Aquilino Lovato Júnior por homicídio.
No STJ, a defesa do empresário alegou que o julgamento do Júri deveria ser anulado, porque uma das testemunhas foi dispensada sem a prévia consulta aos jurados. Em uma primeira decisão monocrática, em 2009, o então ministro Nilson Naves negou seguimento ao recurso alegando que as questões apresentadas já haviam sido enfrentadas em outra ação no STJ.
Inconformado, o empresário ingressou com Agravo Regimental alegando que, diferentemente do alegado pelo ministro Nilson Naves, os questionamentos apresentados no recurso eram diferentes dos analisados pelo STJ em outra ação. O desembargador convocado Vasco Della Giustina reconheceu que o recurso difere da outra ação julgada, porém, negou o recurso por entender que seria necessário o reexame das provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
Mais uma vez, a defesa do empresário agravou a decisão, desta vez alegando que não seria necessário o reexame de provas e que o desembargador convocado, ao decidir monocraticamente, teria violado o princípio da colegialidade. Ao analisar o agravo, o ministro Rogério Schietti, deu razão à defesa e aceitou o recurso, determinando que o caso seja analisado pela 6ª Turma do STJ. “Tenho comigo, calcado na complexidade e especificidade do caso, que o exame da questão exige que o feito seja submetido ao colegiado. Assim, em prestígio à ampla defesa, reconsidero a decisão, tornando-a sem efeito”, concluiu.
O empresário Aquilino Lovato Júnior foi condenado inicialmente a 16 anos de reclusão em regime fechado por homicídio duplamente qualificado — por motivo torpe e com emboscada. Segundo a acusação, ele mandou matar a ex-namorada por ela ter ficado grávida e se recusado a abortar a criança. Ao julgar uma apelação contra a sentença, a 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena de 16 para 14 anos.