A rivalidade entre advogados e juízes veio à tona no 3º Congresso da Magistratura Laboral, ocorrido na sexta-feira (22/5) na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo.
O clima esquentou entre o professor e advogado Lenio Luiz Streck — colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico — e o juiz trabalhista Xerxes Gusmão. O motivo da controvérsia foi o artigo 489 do novo Código de Processo Civil, que exige que os magistrados fundamentem suas decisões.
Streck iniciou sua defesa da fundamentação afirmando que os juízes devem, sim, explorar todos os argumentos apontados pelas partes, pois precisam seguir as leis e não aplicar o que acham “certo”: “Direito não é Filosofia nem moral. Se fosse, não iria querer que juízes aplicassem as leis, e sim moralistas e filósofos”.
Para fortalecer seu ponto, o advogado deu como exemplo o caso de um genro que mata seu sogro para ficar com a herança. De acordo com ele, "obviamente" que o assassino não merece os bens. Porém, ele destacou que se o juiz não fundamentar sua decisão na lei, ela é inválida, independentemente da justiça ou injustiça do caso.
“O sentimento do justo cada um tem. O problema é saber se o Direito dá a mesma resposta. Se não der, a opinião do juiz tem o mesmo peso da opinião do porteiro. (...) Temos que tomar cuidado para que a democracia não seja substituída pela juristocracia, que é a substituição do legislador pelo juiz”, analisou Streck.
O jurista também disse que o novo CPC visa a evitar que magistrados apenas citem dispositivos legais e precedentes sem relacioná-los com o caso em questão. Na visão dele, os juízes podem até decidir com base em interpretações que fujam do texto da lei, mas apenas em situações que possam ser estendidas à população em geral.
E a necessidade de fundamentar as decisões são é algo novo, destacou Streck. Segundo ele, todos os cidadãos tem o direito constitucional de terem suas demandas devidamente analisadas pelo Judiciário, e de que este forneça respostas legítimas e em conformidade com o ordenamento jurídico, que é quem deve solucionar os litígios sociais. “Prefiro o direito à bondade dos bons”, finalizou o advogado.
Gusmão contra-ataca
Ao comentar o artigo 489 do novo CPC, Gusmão sustentou ser irreal a exigência de analisar todas as alegações apresentadas pelas partes. Para o juiz, se a regra for aplicada literalmente, a Justiça irá parar, uma vez que, em muitos casos, os autores e réus elencam mais de 50 argumentos.
Na opinião dele, se o magistrado se basear nas principais alegações, nas provas mais relevantes e no direito aplicado ao caso concreto, a decisão estará suficientemente fundamentada.
A fala de Gusmão levantou a plateia, composta principalmente por juízes das varas trabalhistas de São Paulo e do TRT-2. No embalo da torcida, ele contestou a afirmação de Streck de que o Judiciário não teria o mesmo poder democrático que o Legislativo ou Executivo, e disse que os magistrados devem ter autonomia para decidir como quiserem: “Ainda que [nós, juízes] não sejamos eleitos, passamos por concurso. Não me parece adequado falar o que o juiz tem que por nas decisões. Cabe aos tribunais anular as decisões que não o fizerem”.
Nova explosão de aplausos da plateia. O juiz então lançou seu último argumento, antes de colocar o microfone na mesa: “Se a fundamentação passar a ser examinar todas as alegações das partes, eu peço exoneração e vou para o Zimbabwe, e não para os EUA”. A ovação de seus colegas tomou o recinto.
Jogo fora de casa
Visivelmente irritado, Streck pediu uma tréplica. Mas suas primeiras palavras mal foram ouvidas pelos presentes, que estavam mais preocupados em vaiar o advogado do que ouvir suas razões.
Mesmo jogando fora de casa, o jurista insistiu: “Os poderes da República emanam do povo, não do Judiciário. Se o legislador errou, aceita. E, mesmo assim, o Judiciário corrige todos os dias as decisões do parlamento. Mas um negócio em favor da democracia é sempre mal visto”.
E Streck bradou: “Eu, como cidadão, tenho o direito de que a lei seja cumprida”. Ao final, todos os integrantes da mesa foram aplaudidos.
Zavascki concorda
Mais tarde no mesmo evento, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki afirmou que, no confronto entre a necessidade de os juízes fundamentarem suas decisões e a celeridade processual, a primeira norma deve prevalecer.
“O dever de fundamentar está na Constituição Federal. Agora, a fundamentação não pode ser insuficiente, mas não precisa ser excessiva. Eu acho que ela tem que ser razoável e adequada, dependendo do caso”, opinou o ministro.
Fonte: Conjur