sábado, 25 de junho de 2016

Cade julga shoppings de Porto Alegre e sinaliza critérios para “cláusulas de raio”

O conselho Administrativo de Defesa Econômica voltou a analisar as chamadas “cláusulas de raio”, por meio da qual shopping centers exigem exclusividade de lojistas em uma área ao redor do empreendimento. O assunto foi tratado na análise de um processo administrativo aberto em 2008 contra shoppings de Porto Alegre. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do conselheiro João Paulo Resende, logo depois de o relator Márcio de Oliveira Júnior recomendar a imposição de multa a nove shoppings e exclusão da cláusula de exclusividade nos contratos em vigor.

O debate durante a sessão indica, ainda, que o Cade pode adotar um entendimento com critérios fixos para lidar com a questão, uma vez que diversos shoppings no País lançam mão do expediente com alguns lojistas. O objetivo dos empreendimentos é evitar a abertura de lojas em um perímetro de alguns quilômetros ao redor do shopping, desviando clientes para a loja que fica fora do centro comercial.

Depois que João Paulo Resende pediu vista do processo para avaliar os aspectos econômicos e o impacto das cláusulas nos planos de negócio dos shoppings, a conselheira Cristiane Alkmin antecipou seu voto concordando com a proposta de multa elaborada pelo relator Márcio de Oliveira Júnior. E foi além. Na visão da conselheira, por se tratar de uma questão de menor importância relativa, com menor relevância para o bem estar social que temas como educação, saúde e segurança pública, por exemplo.

Em sua análise, Cristiane comparou a situação do monopólio de investimentos dos lojistas criado pelas cláusulas de raio ao monopólio de produção de medicamentos, concedido por reguladores a empresas farmacêuticas durante um período, de modo a permitir o retorno de enormes gastos com pesquisa e desenvolvimento dos remédios. A sugestão da conselheira, em voto antecipado na sessão desta quarta-feira (22/6), é permitir que shopping centers firmem cláusulas de raio nos primeiros oito anos de funcionamento e com duração inferior a cinco anos.

Marcio de Oliveira Junior avaliou que a proposta feita por Cristiane Alkmin seria “boa solução para casos futuros”. Na prática, se o Cade firmar o entendimento neste ou em outro sentido sobre as cláusulas de raio, ele servirá de orientação ao mercado. Se o Ministério Público ou mesmo a Superintendência Geral souber pela imprensa ou outro meio de cláusulas em desacordo com o entendimento do Cade, o plenário voltaria a analisar a questão. A ideia, neste caso, é reduzir tempo e recursos humanos gastos pelo governo com uma questão de “menor relevância” para o bem estar social, como descrito por Cristiane Alkmin.

A sugestão da conselheira aprofunda uma proposta feita pela Superintendência Geral do Cade ao analisar a situação dos shoppings de Porto Alegre. Em nota técnica, a SG sugeriu os seguintes critérios: 1) Exclusividade por até dois quilômetros e até cinco anos de duração, prevendo locadores e marcas, seriam automaticamente aceitas pelo Cade. 2) As cláusulas de raio superior a cinco quilômetros, que incluíssem acionistas e sócios, não controladores ou outros, não seriam aceitas. 3) Previsões de raios entre dois e cinco quilômetros e prazo acima de 5 anos seriam analisadas caso a caso.

Shoppings de Porto Alegre

O Processo Administrativo 08012.012740/2007-46 foi instalado em 2008, a partir de investigação do Ministério Público Federal a partir da notícia de que o Iguatemi iria punir com suspensão quatro lojistas – Ótica de Ponto, Bela Gula, Panvel e Maxi Color – tentaram abrir filiais no concorrente shopping Bourbon.

Em seu voto, Márcio de Oliveira Junior pediu o arquivamento das acusações contra Condomínio Civil Shopping Center Iguatemi Porto Alegre, Condomínio Shopping Moinhos (Fundo de Investimento Imobiliário Pateo Moinhos de Vento), e Shopping Rua da Praia Ltda.

Ele votou pela imposição de multa e exclusão de cláusulas de raio dos contratos adotados por:

Administração Gaúcha de Shopping Centers (R$ 1.786.653,67), Companhia Zaffari Comércio e Indústria (R$ 6.293.031,12), Bourbon Administração, Comércio e Empreendimentos Imobiliários Ltda (R$ 6.293.031,12), Isdralit Indústria e Comércio Ltda (R$ 40.007,07), Shopping Centers Reunidos do Brasil (R$ 160.947,35), Iguatemi Empresas de Shopping Centers S.A. (R$ 160.947,35), Condomínio Civil do Shopping Center Praia de Belas (R$ 160.947,35) Br-Capital Distribuidora de Títulos de Valores Mobiliários S.A. (R$ 80.793,31) e Niad Administração Ltda. (R$ 80.793,31).

O advogado do Iguatemi, Gabriel Nogueira Dias, defendeu a existência e validade da cláusula de raio com base em negociação direta e voluntária entre lojista e shopping. “Acreditamos na cláusula de raio para manter união entre o lojista e o shopping”, afirmou. “É como se fosse uma joint venture.”

Segundo Dias, em sustentação oral, “não podemos ter lojista que desvia faturamento”. Ele acrescentou que a cláusula é “vital” e “precisa permanecer”.

Em longa manifestação, o representante do Ministério Público Federal, Lafayete Josué Peter, criticou a adoção de cláusula de raio pela ausência de benefícios à coletividade, suposto abuso de poder dominante dos shoppings e efeitos deletérios à concorrência e à liberdade de iniciativa econômica.

Em resposta a Gabriel Dias, Peter disse ainda que recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela legalidade da cláusula de raio ainda não transitou em julgado e que o debate no Cade é mais profundo, exaustivo e completo.

“A limitação imposta pode estar numa verticalização contratual, equivaleria a exclusividade geográfica”, disse.

Ao fim, Lafayete pediu que o Cade declarasse a cláusula raio de exclusividade de shoppings como uma ilicitude per se contra a legislação da concorrência.

Fonte: Jota

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